A cancao do vale adormecido

A Canção do Vale Adormecido

Era uma vez, em um reino esquecido nos vincos do tempo, um lugar chamado Vale Adormecido. Não era um vale comum, pois ali, a noite não era simplesmente a ausência do dia, mas uma presença viva e aconchegante. As árvores, altas e anciãs, possuíam folhas que sussurravam melodias antigas ao menor sopro do vento. Os riachos não corriam, mas deslizavam em murmúrios líquidos sobre seixos polidos, e a própria luz da lua parecia derreter-se no ar, criando um brilho suave e perolado que acariciava tudo. O povo do vale vivia em paz, guiado pela velha Rainha Elara, cuja voz era tão doce quanto o tilintar dos sinos de cristal.

No coração do vale, havia um antigo relógio de sol, conhecido como o Guardião do Sossego. Enquanto seu mostrador de pedra estivesse banhado pela luz prateada da lua, um sono profundo e reparador descia sobre todos os habitantes. As crianças sonhavam com campos de algodão-doce e rios de chocolate morno, e os adultos reviviam as alegrias mais puras de suas vidas. O sono no Vale Adormecido era uma dádiva, um abraço tépido que renovava cada alma.

Mas, em uma noite como nenhuma outra, algo mudou. Um silêncio espesso, pesado e vazio, substituiu os sussurros das árvores. O riacho ficou mudo. A luz da lua parecia fraca e distante. E, o pior de tudo, o sono não veio. As crianças reviravam-se em suas camas, inquietas. Os adultos andavam de um lado para o outro, com a mente nublada por uma névoa de cansaço. A magia do vale havia se dissipado.

A Rainha Elara, com o coração apertado, soube o que havia acontecido. A Canção do Vale, uma melodia ancestral entoada pelo Guardião do Sossego, havia sido silenciada. Sem ela, a essência do descanso se esvaía. A única esperança era uma jornada até a Fonte dos Murmúrios, no alto da Montanha Sussurrante, onde a canção nascia.

Conto para dormir: a jornada da pequena Finn

Para essa missão, a rainha não escolheu um cavaleiro forte ou um mago poderoso. Ela chamou Finn, uma menina de cabelos cor de feno e olhos curiosos que sempre parecia ouvir coisas que os outros ignoravam – o zumbido das asas de uma libélula, o crepitar do musgo sob seus pés. Finn possuía um dom raro: a capacidade de escutar verdadeiramente.

“Finn,” disse a rainha, sua voz agora um eco cansado do que era, “o vale perdeu sua canção. Você deve subir a Montanha Sussurrante e encontrar a Fonte dos Murmúrios. Apenas ouvindo com o coração você poderá trazê-la de volta.”

Finn, embora um pouco assustada, sentiu uma centelha de determinação acender dentro de si. Ela se lembrou da doçura do sono, dos sonhos felizes de seus amigos e da melancolia que pairava sobre sua casa. Então, com uma pequena mochila e um coração valente, partiu.

A subida pela Montanha Sussurrante não era perigosa, mas era profundamente estranha. Tudo estava quieto demais. Finn caminhou por uma floresta de pinheiros onde os galhos não rangiam. Ela cruzou uma ponte de cordas sobre um desfiladeiro, mas a ponte não se balançou nem um pouco. O silêncio era tão denso que quase doía. Finn sentiu uma vontade enorme de desistir, de se sentar e chorar. Mas então, ela se lembrou das palavras da rainha: “Ouça com o coração.”

Ela parou, fechou os olhos e não apenas ouviu, mas escutou. E, bem devagar, começou a perceber. O silêncio não era vazio. Ele estava cheio de sons minúsculos e tristes. Ela ouviu o lamento abafado do vento, preso entre as rochas. Ouviu o suspiro solitário de uma folha caída. Ouviu o choro quase imperceptível do riacho, que tinha medo de fluir.

Finn não tentou falar mais alto que eles. Em vez disso, ela sussurrou de volta. “Não tenham medo,” ela murmurou para o vento. E, com um estremecimento, o vento se soltou e acariciou seu rosto. “Você não está sozinha,” sussurrou para a folha. A folha parou de tremer e repousou suavemente no chão. A cada passo, Finn ouvia a dor do mundo ao seu redor e respondia com uma palavra gentil, um sussurro de encorajamento. Aos poucos, a montanha começou a ganhar vida novamente, não com estrondo, mas com uma sinfonia de sons tímidos e gratos.

Historinhas online: a melodia que restaurou o sono

Após uma longa subida, guiada pelos sons que agora a cercavam, Finn encontrou uma caverna escondida atrás de uma cortina de hera. De dentro, vinha um brilho suave e pulsante. Era a Fonte dos Murmúrios. No centro de uma gruta coberta por cristais que cintilavam com luz própria, havia uma pequena poça de água prateada. Mas a água estava parada e opaca. Ao seu lado, uma figura encapuzada e translúcida chorava silenciosamente. Era a Guardiã dos Sussentidos, um espírito feito da própria quietude da noite.

“Por que você chora?” perguntou Finn, sua voz um fio de seda no ar.

O espírito ergueu a cabeça. “Choro porque me esqueceram,” sussurrou ele, e sua voz era como o farfalhar de veludos. “Todos buscam o silêncio, mas fogem dele quando ele vem. Eles tapam os ouvidos com barulho e esquecem de me escutar. Minha canção, a Canção do Sossego, não pode ser forçada. Ela deve ser convidada. E sem alguém para verdadeiramente ouvir, minha fonte seca.”

Finn entendeu. Ela se sentou ao lado da fonte, na suave relva da caverna, e fechou os olhos. Ela não pediu por nada. Não fez nenhum som. Ela simplesmente abriu seu coração e escutou. Escutou a respiração do espírito, o pingar distante da água nas estalactites, o bater tranquilo de seu próprio coração. Ela escutou o próprio som do silêncio, e descobriu que não era vazio, mas sim uma manta macia e infinita, tecida com paz.

E então, aconteceu. Da fonte parada, uma única nota, clara e pura como um cristal, brotou no ar. Era uma nota tão doce que fez Finn sorrir em seu estado de profunda calma. Outra nota se seguiu, e mais outra, entrelaçando-se até formar uma melodia simples, repetitiva e profundamente reconfortante. Era a Canção do Sossego. A água da fonte começou a borbulhar suavemente, refletindo a luz dos cristais, e o espírito da guardiã deixou de chorar. Ele se ergueu, e seu manto agora brilhava com a luz das estrelas que não podiam ser nomeadas.

“Obrigado, pequena ouvinte,” sussurrou o espírito. “Você trouxe de volta o ouvido para a minha canção.”

Finn não precisou levar a canção de volta. No momento em que a melodia nasceu na fonte, ela ecoou por todo o Vale Adormecido, transportada pelo vento que agora fluía livremente. As árvores recuperaram seus sussurros, os riachos seus murmúrios, e a luz da lua banhou o relógio de sol com seu brilho prateado. Nos lares, as crianças, no meio de uma reviravolta inquieta, pararam subitamente. Um suspiro coletivo de alívio percorreu o vale, seguido pela respiração profunda e regular de um sono que, finalmente, havia retornado.

Finn desceu a montanha, guiada pela nova canção do vale, mais bela do que nunca. Ela foi recebida não como uma heroína, mas como a menina que sabia escutar. A Rainha Elara, com lágrimas de gratidão nos olhos, abraçou-a, e o sono daquela noite foi o mais profundo e reparador que qualquer um pudesse lembrar.

E no Vale Adormecido, todos aprenderam que a verdadeira paz não está no silêncio absoluto, mas em saber ouvir a suave canção que habita a quietude. E sempre que a noite caía, as famílias se aconchegavam, fechavam os olhos e, escutando com o coração, deixavam-se embalar pela melodia eterna que os conduzia a sonhos maravilhosos.

Agora, feche os olhos. Respire fundo. E escute. Bem de leve, no fundo do seu próprio coração, talvez você também possa ouvir os primeiros acordes da Canção do Sossego, tecendo os fios dourados dos seus sonhos…

5/5

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